A Progressão Continuada e a Realidade da Educação Brasileira: Uma Análise Crítica
- Escolas Abertas JF
- 13 de set. de 2024
- 4 min de leitura
Por Alessandra Mantini*

Introdução
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabelece que o ensino pode ser organizado em séries ou ciclos, o que abriu espaço para a adoção da progressão continuada em diversas instituições de ensino no Brasil. Esse modelo permite a promoção de alunos de série, mesmo com rendimentos acadêmicos insuficientes, o que pode levar à manipulação dos índices educacionais e criar uma falsa impressão de sucesso no sistema de ensino.
A Contradição Entre a Lei e a Prática
A LDB é clara ao exigir que as instituições de ensino ofereçam estudos de recuperação para alunos com baixo rendimento acadêmico, preferencialmente durante o período letivo. Contudo, a prática educacional muitas vezes não reflete essas diretrizes. Segundo o Censo Escolar 2023, mais de 15% dos alunos do Ensino Fundamental estavam abaixo das competências mínimas em Matemática e Língua Portuguesa, evidenciando que muitos alunos são promovidos sem alcançar os objetivos pedagógicos estabelecidos.
A progressão continuada tem sido criticada por não resolver as deficiências educacionais e, muitas vezes, por promover uma falsa sensação de sucesso. Isso ocorre porque, ao invés de assegurar que os alunos adquiram as habilidades necessárias, o sistema prioriza a promoção automática para manter estatísticas favoráveis.
O Ambiente Escolar e a Autoridade dos Professores
O ambiente nas escolas brasileiras tem mudado significativamente ao longo das décadas. Enquanto nas décadas de 1960 e 1970, a figura do professor era amplamente respeitada e tinha uma autoridade indiscutível em sala de aula, hoje muitos professores enfrentam desafios severos, incluindo agressões verbais e físicas.
De acordo com o Relatório Anual de Segurança nas Escolas 2023, 22% dos professores relataram já ter sido vítimas de agressões verbais por parte de alunos, e 5% relataram agressões físicas. Esses dados ilustram um ambiente de trabalho cada vez mais hostil para os educadores, o que afeta diretamente a qualidade do ensino.
A Finlândia, por exemplo, investe cerca de 7% do seu PIB em educação e garante um sistema que oferece acompanhamento individualizado para alunos com dificuldades. Em comparação, o Brasil também destina cerca de 6% do PIB para a educação, mas a alocação de recursos é frequentemente desigual e a gestão dos investimentos carece de parâmetros de qualidade. Isso resulta em um sistema educacional que muitas vezes não atende de forma adequada às necessidades dos alunos, diferentemente dos modelos mais eficazes observados em outros países.
A progressão continuada, é adotada em diversos países. Na Finlândia e na Suécia, por exemplo, o foco é apoiar o aprendizado individualizado e promover o desenvolvimento contínuo dos alunos. A Noruega também segue uma abordagem semelhante, oferecendo suporte contínuo e avaliações formativas. Algumas províncias do Canadá, como Ontário e British Columbia, utilizam a progressão contínua com feedback regular para ajudar os alunos a avançar no próprio ritmo. Nos Países Baixos, a prática é integrada ao sistema educacional, permitindo a adaptação do ensino às necessidades individuais. Esses países buscam um aprendizado mais inclusivo e personalizado, em vez de basear a progressão exclusivamente em exames ou notas.
A Formação dos Alunos e o Mercado de Trabalho
O modelo de progressão continuada pode parecer uma forma de evitar a reprovação e o fracasso escolar, mas, na prática, isso muitas vezes resulta na promoção sem aprendizado, preparando mal os alunos para o mercado de trabalho e para os desafios da vida adulta. Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelou que 35% dos estudantes que ingressam no Ensino Médio não têm as habilidades básicas necessárias em Português e Matemática, o que demonstra a ineficácia do sistema em consolidar aprendizagens essenciais.
O Legado de Paulo Freire e a Progressão Continuada
O conceito de progressão continuada no Brasil ganhou força a partir dos anos 1980, com a influência de figuras como Paulo Freire, que durante sua gestão como Secretário de Educação de São Paulo propôs uma abordagem mais inclusiva para a educação. No entanto, o Critério Nacional de Qualidade para o Ensino lançado em 1996, tornou a progressão continuada uma diretriz obrigatória, o que, segundo algumas análises críticas, não levou aos resultados esperados.
Freire, um ícone da pedagogia crítica, é frequentemente associado a práticas educacionais que visam transformar a educação, mas sua abordagem também gerou debates sobre a eficácia de métodos que, em última análise, podem ter contribuído para um sistema onde a promoção sem aprendizagem se tornou uma realidade. Freire parecia mais interessado em fazer revolução dentro da sala de aula...
Propostas para o Futuro
Para reverter os problemas causados pela progressão continuada, é necessário um reforço na qualidade do ensino . Isso inclui:
Revisão do Modelo de Progressão: Garantir que a promoção dos alunos seja baseada no domínio de competências essenciais, ao invés de uma simples formalidade administrativa.
Melhoria das Condições de Trabalho dos Professores: Investir na formação contínua dos professores e criar um ambiente escolar seguro e respeitoso.
Aumento do Investimento em Educação: Seguir exemplos de países com altos índices de qualidade educacional, como a Finlândia, que investe significativamente em educação e no suporte aos alunos.
Implementação de Acompanhamento e Recuperação Eficazes: Seguir as diretrizes da LDB de forma rigorosa, implementando programas de recuperação paralelos ao período letivo para alunos com dificuldades acadêmicas.
Conclusão
A progressão continuada tem sido um tema de intensa discussão no Brasil, e a prática atual muitas vezes contradiz as intenções originais da LDB. Dados recentes mostram que a educação brasileira enfrenta desafios graves, desde a baixa qualidade do ensino até um ambiente escolar que prejudica a atuação dos professores. Comparando com o cenário internacional, é evidente que o Brasil precisa adotar uma abordagem mais eficaz para melhorar sua posição no ranking global de educação.
A solução para esses problemas exige uma reforma abrangente que aborde a qualidade do ensino, o respeito aos educadores e a alocação de recursos, buscando um modelo educacional que prepare verdadeiramente os alunos para os desafios futuros e não apenas para avançar de série.
Referências
Censo Escolar 2023: [Relatório do Inep sobre a Situação da Educação Básica](https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/censo-escolar).
Ranking Mundial de Educação 2024: [World Economic Forum](https://www.weforum.org/reports/global-competitiveness-report-2024).
Orçamento da Educação no Brasil 2023: [Lei Orçamentária Anual 2023](https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/orcamento).
Relatório Anual de Segurança nas Escolas 2023: [Relatório do Fórum Nacional de Segurança Escolar](https://www.fnse.org.br/relatorios).
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)**: [Estudos e Pesquisas](https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/estudos).
*Alessandra Mantini tem décadas de experiência como estudante, desde o maternal até a pósgraduação, já lecionou para turmas com mais de 50 alunos e é a atual presidente da Associação Escolas Abertas Juiz de Fora. Além disso, é mãe de dois filhos, aos quais oferece a melhor educação formal possível.



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